14.9.04

Prólogo

Minha Visão agora é turva, embaçada. Nem sempre foi assim.

Houve outro tempo, eu me lembro. Houve luz e trevas, houve Caos e Ordem, e houve heróis, e magia, duelos e dragões. E havia quem contasse de todas as aventuras que se passavam.
Mas agora é tudo cinza, é tudo névoa, a luz e a treva morreram, as matas queimaram, os castelos caíram, e a Montanha erigiu-se rasgando o céu e jogando sua sombra contra tudo...

* * *

Gaspar corre por entre o deserto cinzento, pulando por sobre seu chão seco e rachado, seguindo o brilho avermelhado no horizonte. Há algo atrás de si, ele sabe, mas muito mais importante é o algo a sua frente.

Ele segue, até que o brilho se transforma num clarão, e do clarão surge a Jóia.
A Jóia...
Cada centímetro dela o refletia, e ao mesmo tempo refletia cada coisa que ele tinha vivido, visto, ouvido ou memorizado, cada palavra, cada gesto, cada grão de areia... Era errado seu nome, pensava agora. Era sim, a Jóia da Lembrança.
Ele a renomearia, pois. Que diferença? Tudo que lhe restava agora era isto. Lembrar...
... e escrever...
* * *

Os cinco heróis lendários chegaram ao pé da colina após um longo e árduo caminho. Mas, ainda que feridos e exaustos, sabiam que não tinham escolha a não ser seguir em frente.

No caminho, os guardiões novamente ergueram-se entre eles e seu objetivo - malditas bestas desmortas - e mais uma vez tombaram ante seu poder... poder que em breve de nada lhes valeria.

Ao fim da colina, avistaram a Jóia. Abaixo da Jóia, a Tábua. Em ambos os lados da Tábua, os Tronos.
No trono da Esquerda, sentava-se a rainha de cabelos escarlates, claros e fulgurantes como labaredas. Vermelhas eram suas vestes e vermelhos seus olhos, fúria incontida saltava-lhe do rosto.
À direita, o rei vestia azul, e desta cor eram seus olhos. Suave era sua fronte, curtos os cabelos, estável pousava sua expressão serena sobre quem quer que o encarasse de frente.
Lise deu um passo a frente e dirigiu-se a eles:
"Senhores, é possível isto que eu vejo? Que pretendem destruir a tudo que criado?"
"Se não compreendem, não interfiram." respondeu o rei.
"Sua interferência já nos custou muito caro, insolentes!" bradou a rainha.
"Não posso permitir que destruam coisas tão belas!" avançou, também, Alberion, o mais novo. E pegando do bandolin, iniciou aquela que seria a melhor canção que já tocara, talvez a melhor já tocada por qualquer um, a qualquer tempo.
Durante horas ele tocou, doze ao todo, e lhes narrou todas as belezas de seu mundo de forma tão magistral, que mesmo a rainha, da cólera passou à ternura, e da ternura ao choro, e mesmo o rei, ainda que não demonstrasse, estava profundamente tocado.
"Sei o que devemos fazer,..." principiou a Rainha.
"Faremos o que deve ser feito." interrompeu o Rei.
"Mas as palavras dele... a beleza. Será que não há algo a ser poupado?"
"Talvez."
Seamus, maior entre os feiticeiros, súbito irrompe por meio de sua bruxaria, agarrando-se à Jóia.
"Fraude! Embuste!" levantou-se o Rei, agora até ele encolerizado.
"Agora iremos acabar com tudo!" concluiu a Rainha. Mas a Jóia agora já se soltava mesmo das mãos de Seamus, e, flutuando, pairava por sobre Alberion. Sem entender o que acontecia nem tendo muito que pudesse fazer, enquanto todos corriam em sua direção, ele abriu os braços, e um clarão encheu a colina...